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1. Principais linhas de
convergência em Geneva |
Nos úlimos anos o
mundo tem passado por grandes e aceleradas transformações económicas,
sociais e culturais. Os tradicionais modelos de organização
sócio-económica, tais como, as grandes burocracias públicas e
privadas, o Estado de bem-estar social, a radiodifusão centralizada
e o mercado do consumo de massas foram alterados por novos sistemas
produtivos, descentralizados e clientalizados, pela desmontagem dos
sistemas de protecção social, por novos meios de comunicação de
massas, por novas formas de organização social.
Vários teóricos
têm atribuído a grande responsabilidade destas transformações à
revolução das tecnologias da informação e da comunicação e ao
impacto que elas têm tido em todas as esferas da sociedade.
A Sociedade da
informação está a nascer e com ela novos desafios. Todas as mudanças
que ela acarreta são profundas e irreversíveis. É, pois emergente a
definição de um novo projecto político que encaminhe tais mudanças
para um rumo economicamente mais equitativo, socialmente mais justo
e politicamente mais democrático.
O encontro em
Geneva serviu, essencialmente para pôr em comum propostas, ideias e
desafios para a construção desta “nova sociedade”, permitindo também
fazer um esboço da situação actual das Tecnologias da Informação e
da Comunicação pelo mundo.
Como era de
esperar, a questão das assimetrias no acesso e uso das TIC foi um
assunto, frequentemente mencionado nas declarações de muitos países.
O nível de desenvolvimento das TIC e o grau de envolvimento da
população com as mesmas são, sobretudo nos PED muito deficitários. A
maior parte dos PED ficaram visivelmente à margem da “revolução” das
TIC, o que conduziu ao que se tem hoje chamado de “fractura
numérica”. Para estes países o risco é grande – as desigualdades já
existentes podem tornar-se ainda mais gritantes.
O desenvolvimento
das TIC é, nestes países, dificultado pela situação sócio-económica
que apresentam. De uma maneira geral, a pobreza é o maior problema
dos PED. Ela traduz-se não apenas na falta de recursos financeiros,
mas também no difícil acesso à educação, aos cuidados de saúde, ao
emprego, aos serviços, às infraestruturas, etc.
Ainda que seja
difícil avaliar o efeito das TIC, elas têm a capacidade de melhorar
a qualidade de vida das populações mais pobres. A maioria dos
economistas estão em acordo relativamente à ideia de que as novas
tecnologias da informação e da comunicação tornaram-se um vector
cada vez mais importante no crescimento económico. Na conferência de
Geneva sobre a Sociedade da Informação e da Comunicação os
participantes fizeram, várias vezes alusão a esta linha de
pensamento. Lá foi sublinhado que uma melhor difusão do saber poderá
funcionar como uma rampa para assegurar a inserção dos PED na
economia mundial e acelerar o crescimento económico graças aos
ganhos de produtividade.
O encontro que
reuniu representantes de 150 países mostrou que é já tempo de pensar
em como a Sociedade da Informação pode beneficiar todos. Foi
importante para estabelecer regras comuns, afim de assegurar que a
sociedade, na sua globalidade, possa aceder e usar a tecnologia de
um modo que consiga dela tirar o máximo potencial para um
desenvolvimento mais equitativo dos povos.
As ideias
centrais relativas aos discursos de todos os países participantes na
Cápsula situam-se, essencialmente em dois eixos – o eixo da
tecnologia e o eixo da pessoa humana. O primeiro refere-se a todos
os aspectos técnicos que concorrem para a construção de uma
Sociedade da Informação para todos e o segundo aos aspectos sociais,
culturais e morais dos povos.
No eixo da
tecnologia as manifestações foram muito significativas. Parece
haver, de uma maneira geral, o consenso de que as TIC promovem e
incrementam o desenvolvimento económico e contribuem para melhorar o
nível de vida dos indivíduos. Foram consideradas como sendo uma
importante ferramenta para a luta e erradicação da pobreza.
Mas e, apesar dos
enormes avanços que o Homem conseguiu nos campos da comunicação e
das tecnologias, a maior parte das pessoas continua a viver em
condições paupérrimas. Quando olhamos para o mapa relativo à
distribuição das Tecnologias da Informação e da Comunicação
apercebemo-nos da existência de grandes assimetrias entre o norte e
o sul, entre populações urbanas e populações rurais, entre ricos e
pobres, entre homens e mulheres, entre aqueles que a elas acedem e
aqueles que não têm possibilidade de o fazer. Constata-se, pois uma
distribuição desigual das TIC e um défice no acesso à informação
entre a maioria da população mundial.
O encontro em
Geneva foi uma oportunidade para colocar em evidência tais
disparidades e deu a possibilidade, a cada país, de retratar, ainda
que em traços gerais, a sua realidade nacional e os desafios
enfrentados para se integrarem na “Nova Sociedade”. A partir das
declarações prestadas foi possível fazer uma listagem dos principais
obstáculos com que muitos países se deparam. Eles são: a grande
concentração de população em zonas remotas e rurais, o baixo grau de
literacia e o ainda menor grau de literacia nas TIC, a falta de
capital financeiro adequado para estimular o progresso económico, a
falta de recursos humanos, os elevados custos no acesso às TIC, a
inadequada capacidade de absorção e as pobres e insuficientes
infraestruturas.
Tendo em conta
esta realidade que coloca, muitos países, fora da marcha da
Sociedade da Informação, surgiram várias propostas para o
desenvolvimento de uma sociedade inclusiva e equalitária.

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Eixo da Tecnologia |
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1. |
Cooperação Internacional |
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1.1. Cooperação Financeira |
Nas declarações
prestadas em Geneva pelos diversos representantes dos 150 países aí
presentes ganharam- destaque as ideias de que os países
sub-desenvolvidos devem mobilizar os meios adequados para se
integrarem na sociedade da informação e de que, no plano
internacional, é essencial fazer uma redistribuição global dos
recursos para evitar a concentração da Sociedade da Informação
apenas nos países desenvolvidos.
Assim, a
cooperação financeira parece ser um elemento-chave para dar um novo
rumo à Sociedade da Informação. Muitos países apelaram à
solidariedade internacional como suporte para impulsionar as suas
estratégias de integração. Neste sentido, a transferência de capital
para o investimento nas TIC, por meio de projectos e programas de
ajuda ao desenvolvimento, tomando em conta as necessidades
específicas dos seres humanos, foi uma questão muito sublinhada em
Geneva. O Fundo de Solidariedade Digital tem sido sugerido, neste
contexto, por África e poderá constituir uma nova esperança para os
povos africanos.
Propostas também
como elementos para impulsionar o desenvolvimento de uma sociedade
na qual todos possam aceder, utilizar, partilhar e disseminar
informação e conhecimento foram a realização de parcerias entre o
sector público e o sector privado e a criação de sinergias entre
diferentes sectores e redes, com vista a optimizar os escassos
recursos financeiros.
Ainda na questão
financeira, os governos ocupam um lugar de destaque. Segundo a
opinião de muitos representantes, estes devem ter a responsabilidade
de promover um ambiente nacional propício à absorção das TIC e seu
respectivo uso, bem como, fomentar o investimento no sector.
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1.2. Cooperação técnica e partilha de
“savoir-faire” |
Muitos destes
países enfrentam sérios problemas, tais como, a fome, a malnutrição,
a iliteracia, a discriminação contra mulheres, crianças, pessoas
idosas e pessoas com deficiências.
A injecção de
capital financeiro nos países subdesenvolvidos não é por si só
suficiente para promover a sua integração na Sociedade da Informação
e para promover o seu desenvolvimento. Neste sentido, é também vital
a cooperação e apoio internacional em áreas relacionadas com a
tecnologia, propriamente dita, e a sua aplicação e uso. Em muitas
declarações transpareceu a necessidade e a vontade de providenciar
aos países em desenvolvimento a transferência de tecnologia, de
recursos humanos, de infraestruturas de apoio e de “training”
nas TIC, de forma a que se possa combater certos problemas por estes
países sentidos e se consiga integrá-los na Sociedade da Informação.
Um outro elemento
a que foi feita alusão várias vezes nas participações dos
representantes de cada país foi a questão da troca e partilha de
informação e experiência entre países e regiões. Incrementar este
processo de troca de modos de “savoir-faire” contribuirá para dar um
novo rumo à Sociedade da Informação.

2. |
Incremento da participação dos cidadãos na
governância |
As declarações
mostraram haver uma grande preocupação com a solidificação de
modelos democráticos de governância. A abertura, a transparência e a
responsabilidade parecem ser os princípios de base para uma
governância democrática das sociedades a todos os níveis (local,
nacional e internacional). Sociedades da informação e da comunicação
inclusivas, participatórias, onde os corpos governamentais estão
comprometidos a envolver todos os cidadãos na governância e nos
processos de tomada de decisão foi uma ambição muito referida nas
sessões plenárias.
Neste sentido,
deve ser reforçado o acesso público à informação produzida ou
mantida pelos governos e garantir-se que essa informação está
completa e acessível num formato e linguagem que os cidadãos possam
perceber. Isto implica, como é óbvio a facilidade de acesso a
documentos ou instituições relativos a actividades que são do
interesse público, especialmente em situações em que o governo não
tornou certas informações públicas.
Por outro lado,
as TIC podem igualmente melhorar a eficácia da acção governamental e
tornar a administração de determinados serviços públicos mais
transparente e mais simplificada ao nível dos procedimentos.
3. |
Criação de mecanismos de segurança global |
Parece haver uma
preocupação geral, pelos representantes dos países participantes, no
que concerne à relação entre as Tecnologias da Informação e da
Comunicação e as questões de segurança.
Se por um lado as
TIC aproximam povos, tornando mais possível o acesso a informações e
facilitando a comunicação, por outro lado, elas podem ser um veículo
que coloque em perigo os países e os seus membros. Muitas nações
mostram a sua vontade em empenharem-se na luta contra fenómenos como
o ciber-crime, a fraude, o terrorismo, a divulgação de informação
com conteúdos pornográficos, com ideais que incitem ao ódio e à
violência, à toxicodependência, à prostituição, etc.
Colocar em
segurança os mercados, os organismos sociais e as pessoas parece ser
um dos aspectos prioritários na construção da Sociedade da
Informação. Por isso, muitos governantes sugeriram a criação de um
mecanismo que controle e que faça a gestão das TIC no que concerne
ao aspecto da segurança.
Neste sentido, a
internet aparece como um dos instrumentos de informação e de
comunicação mais susceptíveis à insegurança. Uma falha poderia
resultar num enorme caos da vida pública. Daí que um organismo
responsável, exclusivamente pela gestão da Internet tenha sido,
também altamente sugerido.
Ainda dentro das
questões da segurança global, foi também discutido o tema da
protecção dos dados pessoais e da vida privada. O direito à vida
privada deve ocupar um lugar de destaque na Sociedade da Informação.
Ele deve ser defendido nos espaços públicos, em linha ou não, em
casa e nos locais de trabalho. A conservação, a utilização e a
comunicação dos dados pessoais deve ficar sob o controlo da pessoa
concernante. O poder do sector privado e dos governos sobre os dados
pessoais deve ser limitado ao mínimo, respeitando as condições
legais claramente explícitas.

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Eixo da Pessoa
Humana |
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4. |
Valorização dos aspectos endógenos de cada povo |
Entre os temas
mais comentados na sessão plenária, a relação entre as tecnologias
de informação e comunicação e os aspectos estruturais da cultura e
organizações endógenas de cada povo teve, em quase todos os
discursos, um lugar de destaque. Os comentários, neste aspecto,
conduzem à ideia de que a construção de uma Sociedade da Informação
deve assentar na preservação e respeito da diversidade cultural e
linguística e ser um veículo que favoreça a divulgação desta mesma
diversidade. As TIC desempenham, pois para a obtenção destas
finalidades, um papel importante.
No passado o
desenvolvimento das TIC levou ao reforço das desigualdades. O uso
quase exclusivo uso de línguas baseadas em caracteres romanos
(especialmente o inglês) conduziu à marginalização das línguas
locais, regionais e minoritárias.
A Sommet fez
transparecer que prioridade deve ser dada à pesquisa e
desenvolvimento de estratégias para ultrapassar as acções do
passado.
5. |
Respeito pela liberdade de expressão e “free
flow” de ideias |
Também muito
sublinhadas como aspectos fundamentais para erguer a sociedade da
informação foram as questões ligadas à liberdade de expressão. Nos
discursos dominou a ideia central de que todos têm direito a
exprimirem livremente as suas opiniões e de acederem à informação,
dentro ou fora das fronteiras nacionais.
Esta ambição
implica, obviamente a livre circulação de ideias, o pluralismo de
fontes de informação, a independência dos media e avaliabilidade das
ferramentas de acesso à informação e partilha de conhecimento.

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2. Repensar a
inclusão digital |
A exclusão
digital não é não estar conectado à internet, não ter um computador,
um telefone celular, uma televisão, etc. É sermos incapazes de
pensar e criar novas formas, mais justas e equitativas, de produção
e distribuição da riqueza simbólica e material.
Falar sobre a
inclusão digital pressupõe uma reflexão sobre a ideia de exclusão
social. Esta é o resultado de problemas históricos, políticos,
sociais e económicos vividos por grande parte dos países, embora as
situações mais caóticas estejam localizadas em países pobres e
subdesenvolvidos.
O conceito de
exclusão surge por volta da década de 90 e vem substituir o conceito
de pobreza utilizado até então. Segundo Atkinson o conceito de
exclusão social refere-se aos mecanismos através dos quais os
indivíduos e grupos são excluídos das trocas, das práticas
componentes e dos direitos de integração social e de identidade. Ele
estende o conceito mesmo ao nível da participação na vida do
trabalho, no campo da habitação, da educação, da saúde e do acesso a
serviços.
Tendo como foco o
conceito de exclusão social com um olhar centrado nas questões da
inclusão não podemos deixar de observar os grandes contrastes
sociais existentes nas sociedades da actualidade, em que a maior
parte dos recursos[1]
estão concentrados nas mãos de uma minoria.
Baseada neste
cenário complexo, onde a questão do “excluído social” se faz
presente, a discussão sobre a inclusão digital ganha força e nos
últimos anos tem-se tornado foco de muitos projectos sociais.
Possibilitar o acesso às tecnologias da informação e da comunicação,
visando a integração dos indivíduos na sociedade pode ser um meio
viável para minimizar os problemas sociais[2]
e para integrar o mundo na Sociedade da Informação.
A exclusão
digital é um problema complexo que apresenta desafios práticos e
políticos. Tem que se ter em conta que as soluções que funcionam nos
países desenvolvidos não podem ser simplesmente transferidas para os
ambientes dos países em desenvolvimento: as soluções precisam de ser
pensadas segundo as necessidades e condições locais.
Por outro lado,
propiciar o acesso à tecnologia é essencial, mas é preciso ir além
da componente física. Computadores e conexões são insuficientes se a
tecnologia não é, efectivamente utilizada, seja porque as pessoas
não têm meios económicos para as obter, ou porque não sabem
utilizá-la, seja porque a economia local e as políticas
governamentais não fomentam o seu uso.
Para a construção
de uma Sociedade da Informação mais justa e equitativa creio que
terá de se ter em conta três grupos de factores essenciais: a
vontade política, o ambiente económico e normativo e as
características das populações. Eles fizeram, de certo modo, parte
das declarações dos representantes governamentais. Creio que merecem
uma discussão um pouco mais aprofundada.

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A vontade política |
Os governos podem
desempenhar um papel fundamental, criando um ambiente que fomente o
uso da tecnologia e estimule o investimento nas infra-estruturas de
apoio à Sociedade da Informação e o desenvolvimento da capacitação
da força de trabalho. A acção governamental também é importante para
dar a conhecer os benefícios da tecnologia por toda a sociedade.
Muitos líderes
nacionais adoptaram as TIC e estão prontos para promover um ambiente
jurídico e normativo que possibilite a expansão da sua utilização.
Mas na prática as autoridades governamentais geralmente não entendem
as implicações das políticas, pois não conhecem a realidade do país.
As lideranças precisam fazer uma estimativa realista do que as
Tecnologias da Informação e da Comunicação podem fazer pelo seus
país e pelas suas comunidades, e precisam liderar efectivamente e
reforçar a confiança pública no rumo que estão seguindo.
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O ambiente económico e normativo
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Do ponto de vista
económico é necessário ter em conta os seguintes aspectos: o
ambiente económico local é propício ao uso da tecnologia? A
tecnologia faz parte do desenvolvimento económico local? O que é que
é preciso fazer para integrar a tecnologia nas estratégias de
desenvolvimento económico local?
Por outro lado, e
ainda do ponto de vista económico, é necessário haver, sobretudo uma
associação de recursos. A questão da inclusão social vai além das
inciativas isoladas. A cooperação financeira, seja ela regional,
nacional ou internacional apresenta-se como um recurso indispensável
com vista à inclusão digital. Só com a solidariedade é possível
atacar os problemas.
Desta cooperação
tem surgido diversos programas com fins lucrativos e que estão
expandindo com êxito o acesso à tecnologia para grupos cada vez
maiores. Também uma grande variedade de projectos está em andamento
nos países em desenvolvimento para integrar as TIC em áreas
críticas, como, a educação, a assistência médica, o comércio, o
apoio a pequenas empresas, etc.
A questão
normativa ocupa, nos esforços da inclusão digital, um papel de
grande importância. É necessário avaliar se as leis e
regulamentações nacionais limitam o uso da tecnologia; se é
necessário proceder a mudanças para criar um ambiente que estimule o
uso da tecnologia.
Muitos dos
projectos criados deparam-se com obstáculos que estão directa ou
indirectamente relacionados com o ambiente normativo do país[3].
Alguns baseiam-se na utilização de tecnologias e de infra-estruturas
que podem estar limitadas pela legislação e regulamentação em vigor,
como leis que controlam e proíbem, por exemplo, o uso do satélite e
da tecnologia sem fio. Existem outros projectos que podem ser
obstruídos pela legislação ou regulamentação geral, como políticas
fiscais e aduaneiras que limitam o comércio das tecnologias de
informática através das fronteiras. Outro exemplo de projectos que
encontram sérias dificuldades de implementação devido à questão
normativa são os projectos voltados para a assistência médica, onde
as leis da privacidade e protecção de dados médicos impedem o uso
das TIC.

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As características das populações |
É importante
salientar que a sociedade como um todo é a peça chave do processo de
inclusão digital. As características, as capacidades e as
potencialidades que ela apresenta vão determinar fortemente o grau
de aceitação e integração das Tecnologias da Informação e da
Comunicação no seu quotidiano. Todo o backgorund da sociedade, esta
entendida como um organismo vivo e dinâmico, pautado pela
transformação permanente, vai determinar o uso efectivo das TIC.
Neste ponto de
vista, a relação entre o Homem e a Tecnologia é um processo
bilateral. Se, por um lado, as Tecnologias da Informação e da
Comunicação têm de ir ao encontro das necessidades e das
características específicas dos indivíduos, por outro, estes
transformarão as suas práticas quotidianas a vários níveis em
virtude do uso de novas formas de informação e de comunicação.
Por este motivo,
as TIC não podem ser concebidas e introduzidas em contextos sociais,
culturais e económicos que não têm a capacidade, por múltiplos
factores, de as absorver convenientemente.
Os organismos
responsáveis pela luta da inclusão digital têm de avaliar se a
população tem a capacidade e os conhecimentos necessários para o uso
efectivo da tecnologia e se é capaz de avaliar o seu potencial.
É também
indispensável que a tecnologia disponível seja adequada às
necessidades e condições locais da população. Qual é a tecnologia
adequada considerando o que as pessoas precisam e como querem
usá-la?
Além destes
aspectos uma sociedade da informação inclusiva só pode ser possível
se os conteúdos informacionais estiverem disponíveis num formato e
numa linguagem especifícos, se o acesso à tecnologia estiver a um
preço razoável e ajustado à economia e às possibilidades de cada
país e a sua população.
Um outro aspecto
que queria ainda focar e que considero ser de grande interesse é a
questão da literacia. Trata-se de um assunto que também foi muito
falado na conferência em Geneva. Muitos países em desenvolvimento
comprometeram-se mesmo, a trabalhar para fazerem aumentar os níveis
de literacia dentro das suas fronteiras. O uso das TIC e a literacia
estão em muito relacionados, uma vez que o uso de alguns
instrumentos de informação e de comunicação[4]
pressupõe, à partida, a posse de um determinado capital cultural.
Neste sentido, a
aquisição de literacia não é apenas uma questão de educação, mas
também uma questão de poder. Um indivíduo que possui as
características requeridas para aceder a determinados meios de
informação e comunicação, é um indivíduo que, à partida, possui mais
poder[5]
ou uma mais-valia do que um outro que não reúne estas mesmas
características. Daí deverá englobar nas estratégias nacionais, a
preocupação pela literacia, de modo a que esta, em conjunto com
outros factores já anteriormente descritos, possa contribuir para
termos pessoas mais informados, mais participantes nos assuntos
políticos e de tomada de decisão, mais capazes de resolver
determinados problemas; enfim pessoas mais incluídas na Sociedade da
Informação.
Para superar a
exclusão digital e pôr as TIC efectivamente ao serviço da melhoria
de vida das pessoas, dos países e das comunidades, precisamos que os
governos (a vontade política) se abra aos benefícios das TIC e
aceite integrar no quadro nacional os projectos que vão neste
sentido, pondo de parte certos entraves; precisamos de uma estrutura
jurídica e normativa que estimule o uso das TIC; e precisamos de
pessoas capazes de as utilizarem e de entenderem o seu potencial e
as vantagens que podem trazer. Se quisermos reduzir a exclusão
digital, essas questões precisam de ser tratadas por meio de uma
estratégia coerente e viável.

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Conclusão |
Muitas são as
esperanças depositadas nas TIC para a resolução dos problemas
sociais que atingem uma grande massa da população mundial, como a
pobreza e o sub-desenvolvimento. Elas não são por si só uma solução,
mas indubitavelmente são indispensáveis para construir novas formas
de luta contra esses problemas.
Aqueles que
popularizaram o termo de “digital divide” ajudaram a focar a atenção
do público em geral nas questões da tecnologia e da desigualdade. É
já altura de consciencializar a sociedade para a compreensão do que
o acesso às TIC pode trazer de positivo e de benéfico para a vida
das pessoas.
As TIC são
recursos de capital físico que se apresentam como forças produtivas
para o desenvolvimento das capacidades de funcionamento que
favorecem a produção de capital social, humano e simbólico. A
existência de um sólido capital aumenta as possibilidades de
intervenção e de acesso aos benefícios públicos.
As políticas
públicas e sociais devem, então promover as TIC como recursos
públicos para o acesso à criação e apropriação social de todas as
formas de capital (tendência que se acentua eminentemente em
círculos privados e já por si próprios ricos em recursos e capital).
Estas políticas favorecem o desenvolvimento sustentado da sociedade
civil.
É de salutar o
facto de já se ver o despontar, por parte da sociedade civil e da
vontade política, uma preocupação em integrar a tecnologia nas
estratégias de desenvolvimento. Creio, contudo que ainda estamos na
fase embrionária deste processo. As Tecnologias da Informação
e da Comunicação estão ainda concentradas nas mãos de uma minoria,
enquanto que uma massa imensa de gente ainda não conhece os
benefícios das mesmas e a elas jamais acedeu.
Há um longo e
complexo caminho a percorrer. É necessário definir estratégias
adequadas às necessidades e às características das comunidades. Não
se pode implantar estratégias modelo em todas as partes do globo,
dada a grande variedade de padrões sociais e culturais que definem
cada povo. Há que haver um entendimento prévio das formas de
organização de um povo e só depois se definir estratégias. É aí que
reside, sobretudo a complexidade do processo de integração das TIC.
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Notes |
[1] Aqui o conceito de recurso
refere-se a formas de capital que proporcionam uma mais-valia,
uma vantagem no acesso a determinados benefícios. Este capital
pode revestir-se de conteúdo económico e de conteúdo social
(entendido, por exemplo, como a detenção de uma certa capacidade
de influência ou de uma extensa rede de solidariedade que
favorece a movimentação no campo social).
[2]
Problemas como o desemprego, a pobreza, os baixos níveis de
literacia e mesmo as elevadas taxas de analfabetismo.
[3] Ambiente este que reflecte o próprio contexto
político do país.
[4] e as vantagens que este uso e
acesso fornecem ao indivíduo que está em contacto com estes
instrumentos.
[5] Aqui o poder é entendido como a
capacidade de aceder às Tecnologias da Informação e da
Comunicação e delas poder tirar partido para proveito próprio.
Quanto mais possibilidades de acesso às mesmas um indivíduo
possuir, e delas fizer efectivamente uso, mais poder ele detém.
